domingo, 6 de janeiro de 2013

Pequeno diálogo: Pedro x Otávio


Pedro (P) - Não é fácil, viu?
Otávio (O) - O quê?
(P) - A vida.
(O) - Ah...
(P) - Nada fácil.
(O) - Que é isso...
(P) - Sim.
(O) - Que nada.
(P) - Isso porque você nunca parou para pensar.
(O) - É tudo uma questão de perspectiva.
(P) - Ah, é? Disserte, sabichão.
(O) - Veja você que hoje, apesar do céu cinzento e escuro, lá no alto, acima das nuvens, o sol ainda brilha! E, mesmo sem aquele azul que se faz perder de vista e nos deixa embevecidos, há um lado bom. Os raios solares devidamente filtrados pelas nuvens tornam a radiação mais difusa e, por conseguinte, a temperatura fica mais agradável. Com o tempo ameno, pode-se caminhar ao ar livre sem suar em bicas de tanto calor.
(P) - Mas isso é um exemplo muito banal. Veja o senhor que, apesar do céu cinzento, eu continuo a submeter um terço de todos os meus dias ao enriquecimento da minha empresa em troca duma porcaria de salário, que mal dá pra se aguentar até o fim do mês. Diante desse quadro, estou preso a essa situação por anos e décadas, isso se minha vida não for abreviada numa das tantas fatalidades que se vê todo dia nos jornais; E com o céu azul a situação é a mesma! Diga-me qual a perspectiva nesse caso, meu caro.
(O) - Puxa... mas você pegou pesado, hein? Bom, que se leve em conta os ensinamentos e as experiências que se obtêm ao conviver diariamente num ambiente de trabalho com diferentes pessoas. Criam-se amizades, relações de cordialidade, cooperação e  por que não de competição, amores e ódios? Tudo é parte da ventura humana, mesmo diante de uma rotina entediante, há um mundo de possibilidades a ser vislumbrado. 
(P) - Pelo que me toma? Por acaso ao lado de "indulgente" no dicionário há uma fotografia minha? Quanta ilusão, quanto lirismo! Escute, senhor, é claro que se criam algumas, ou melhor, poucas amizades no trabalho. E muitas inimizades. Alguma gentileza e cooperação, muita antipatia e competição inescrupulosa. Até amores e ódios, eventualmente. Mas de que me vale tudo isso? Pois se isso se encontra em qualquer grupo de pessoas, qual o mérito do trabalho? Submeter todos a um nível padrão de subserviência, onde há identificação e empatia na desgraça?!
(O) - Hum... E  se encontra um trabalho de que gosta? Aí a coisa pode mudar de figura! Se bem que se trate de situação muito rara de fato. Ainda mais nos dias de hoje.
(P) - Trabalho de que goste? Ora, vejam só, um comediante! Meu caro amigo, ou se faz o que gosta ou se trabalha. Quando eu crio a obrigação, a ordem, o prazo, a meta para aquela atividade que tanto me satisfazia, despedaço-lhe as asas e lhe acorrento ao cárcere da escravidão. Perde-se o encanto.
(O) - Discordo, amigo! Muito do progresso humano se deve às correntes, prazos e metas que tanto despreza! E ainda há uma alternativa: acumular certa quantia de dinheiro e largar o emprego, libertar-se das amarras capitalistas!
(P) - Guardar dinheiro?  Em dias como os nossos, onde amanhã você pode não acordar ou que se sai pela manhã e não se sabe se volta à noite? Honestamente, não sei o que é mais absurdo: guardar ou gastar dinheiro.
(O) - Não seja dramático! Isso é coisa de imprensa marrom.
(P) - E o senhor ainda não me apresentou argumentos que sustentem sua perspectiva otimista.
(O) - Caminhe por aí, dê uma boa olhada na natureza: árvores, montanhas, céu, mar, rios, animais, as mulheres. Embriague-se e terá uma perspectiva diferente. leia um livro, ouça música, viaje. Este mundo tem tanto a dizer!
(P) - Só falta o senhor me vir com aquela de que a vida é bela...
(O) - Pois, justamente!!
(P) - Bela e vã; E temos que estar atentos para que não nos seja encurtada na primeira oportunidade! É a lei da sobrevivência. Eu já fui um otimista, sabe. Porém, presenciei tanta desgraça comigo e ao meu redor que se tornou insuportável. Se o valor da vida está na beleza, então não me é suficiente diante de toda tristeza e angústia que o mundo carrega.
(O) - ...
(P) - Que foi?
(O) - Acho que acabo de me converter ao pessimismo.

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