sábado, 19 de janeiro de 2013

"Brincadeira" - A. Tchekhov

Há 153 anos nascia na Rússia o escritor Anton Pavlovich Tchekhov:




Tem muita gente que critica sua dramaturgia, inclusive o Tolstoi, escritor que era seu contemporâneo e conterrâneo. Particularmente nunca li as peças do Tchekhov, mas seus contos são sensacionais. Incrível como um cara na Rússia do século retrasado consegue retratar angústias tão similares às nossas.

Recomendo a quem não conhece um pequeno conto intitulado "Brincadeira". Link aqui

sábado, 12 de janeiro de 2013

Maria, mulher maravilha


Olhos ávidos, mãos trêmulas, mordia os lábios de nervoso. Esperou ali, uns metros atrás, contendo sua ansiedade, até a multidão que se amontoava para conferir os resultados dispersar-se. Andou a passadas largas até o muro onde se afixava o edital. Atônita, procurava com rapidez, letra L, letra M, Maria das Almas, Maria das Cruzes... e lá estava: Maria das Dores. Em seu rosto, abriu-se um sorriso.

Mas não era um sorriso qualquer. Não como os abertos mecanicamente de acordo com as normas sociais de cordialidade. Era um sorriso de olhos marejados. Toda a tensão acumulada até aquele momento se desvanecia, transformada em êxtase. Sucesso, após tanta luta! Tanto trabalho sofrido, muito mais do que todos os presentes ali um dia hão de ter.

Maria olha em volta. Vê centenas de pessoas. Centenas de rostos. Concentra-se em alguns rostos jovens, um pequeno grupo. Deviam ter uns quase vinte anos, ostentando camisetas com o emblema de seus respectivos cursinhos, os quais custam os olhos da cara aos pais. Ornamentavam-se com correntes, penduricalhos, brincos, piercings, tatuagens, cabelos coloridos. Engraçado, na juventude de dona Maria não havia dessas coisas. O banho de lama ela até entendia, mas não havia mais idade para uma senhora participar daquele rito de iniciação. Os jovens que se divertissem como preferissem. Das Dores deixa o tal grupo de lado e volta a olhar ao seu redor.

Outra particularidade faz-se notar aos seus olhos, ainda umedecidos do baque inicial. A quantidade de celulares. Por onde se olhava, pipocava alguma garota falando ao aparelhinho cheio de fru-fru, um grande sorriso estampado no rosto. Ou algum rapaz, a vibrar e erguer o dito-cujo aos céus, como que exibindo um troféu de sua maior façanha, para então voltar ao diálogo com seu interlocutor. Maria graceja da coisa toda. Quanto para se ver, quando se decide de fato olhar!

Havia também uma parcela daqueles jovens cabisbaixa, jogada pelos cantos, olhar perdido. Maria entristeceu-se ao se dar conta deles. Enxuga os olhos e caminha em direção ao seu carrinho. Era então hora de voltar ao batente. Ninguém daquela gente que obteve sucesso como ela e ninguém daquela gente que fracassou e que a entristeceu veio cumprimentar-lhe, tampouco lhe debochar. Ignoraram-na. Pouco se importara, Maria estava feliz demais com seu feito! Pegou seu carrinho e pôs-se a puxar pela rua de trás da universidade, cantarolando qualquer coisa que ouvira no rádio de manhã.

Recordara-se então de sua jornada até aquele momento. Largou os estudos muito cedo para ajudar à família nas despesas, aos doze anos. Casou jovem demais e teve cinco filhos. Quantas noites em claro com os filhos febris! Apesar de tantas dificuldades, sempre manteve o sorriso nos lábios e a firmeza no olhar. Um olhar de simplicidade, de uma cumplicidade sem igual. Sorrira uma vez mais quando lhe veio à memória o marco inicial de sua retomada aos estudos, esperança que nunca havia perdido, muito menos esquecido. Uma apostila encontrada no lixo. Quem ousaria pensar que tudo recomeçaria ali!

Maria das Dores é catadora de papel e hoje tem 35 anos. Seus esforços para pagar as inscrições em supletivos, provas e no famigerado vestibular enchiam-na então de orgulho. Ao mesmo tempo, ocorrera-lhe que havia ainda problemas pela frente, como pagar as mensalidades da universidade, por exemplo. Alguém há de lhe dar uma bolsa, certamente. Mas isso não passou pela sua cabeça, acostumada que estava em nunca conseguir amparo. Sua condição lhe ensinara a caminhar com as próprias pernas. Cair e se levantar, eis o mote de sua lição.

Maria, mulher maravilha! Sem conotações à garota ianque que usa tomara-que-caia estrelado. Por favor. Maria brilha! Um brilho tão vigoroso e intenso que chega a ser perturbador diante da acolhedora consternação: "quem me dera...", e da lamuriante cogitação: "ah, se eu fosse...". Quão agrada ao íntimo agarrar-se às ilusões enquanto se espera pelo inevitável!



Nota: Assisti a uma entrevista com uma catadora de papel que de fato tinha passado no vestibular e que tinha voltado a estudar ao encontrar apostilas no lixo. Todo resto é fictício. 

domingo, 6 de janeiro de 2013

Pequeno diálogo: Pedro x Otávio


Pedro (P) - Não é fácil, viu?
Otávio (O) - O quê?
(P) - A vida.
(O) - Ah...
(P) - Nada fácil.
(O) - Que é isso...
(P) - Sim.
(O) - Que nada.
(P) - Isso porque você nunca parou para pensar.
(O) - É tudo uma questão de perspectiva.
(P) - Ah, é? Disserte, sabichão.
(O) - Veja você que hoje, apesar do céu cinzento e escuro, lá no alto, acima das nuvens, o sol ainda brilha! E, mesmo sem aquele azul que se faz perder de vista e nos deixa embevecidos, há um lado bom. Os raios solares devidamente filtrados pelas nuvens tornam a radiação mais difusa e, por conseguinte, a temperatura fica mais agradável. Com o tempo ameno, pode-se caminhar ao ar livre sem suar em bicas de tanto calor.
(P) - Mas isso é um exemplo muito banal. Veja o senhor que, apesar do céu cinzento, eu continuo a submeter um terço de todos os meus dias ao enriquecimento da minha empresa em troca duma porcaria de salário, que mal dá pra se aguentar até o fim do mês. Diante desse quadro, estou preso a essa situação por anos e décadas, isso se minha vida não for abreviada numa das tantas fatalidades que se vê todo dia nos jornais; E com o céu azul a situação é a mesma! Diga-me qual a perspectiva nesse caso, meu caro.
(O) - Puxa... mas você pegou pesado, hein? Bom, que se leve em conta os ensinamentos e as experiências que se obtêm ao conviver diariamente num ambiente de trabalho com diferentes pessoas. Criam-se amizades, relações de cordialidade, cooperação e  por que não de competição, amores e ódios? Tudo é parte da ventura humana, mesmo diante de uma rotina entediante, há um mundo de possibilidades a ser vislumbrado. 
(P) - Pelo que me toma? Por acaso ao lado de "indulgente" no dicionário há uma fotografia minha? Quanta ilusão, quanto lirismo! Escute, senhor, é claro que se criam algumas, ou melhor, poucas amizades no trabalho. E muitas inimizades. Alguma gentileza e cooperação, muita antipatia e competição inescrupulosa. Até amores e ódios, eventualmente. Mas de que me vale tudo isso? Pois se isso se encontra em qualquer grupo de pessoas, qual o mérito do trabalho? Submeter todos a um nível padrão de subserviência, onde há identificação e empatia na desgraça?!
(O) - Hum... E  se encontra um trabalho de que gosta? Aí a coisa pode mudar de figura! Se bem que se trate de situação muito rara de fato. Ainda mais nos dias de hoje.
(P) - Trabalho de que goste? Ora, vejam só, um comediante! Meu caro amigo, ou se faz o que gosta ou se trabalha. Quando eu crio a obrigação, a ordem, o prazo, a meta para aquela atividade que tanto me satisfazia, despedaço-lhe as asas e lhe acorrento ao cárcere da escravidão. Perde-se o encanto.
(O) - Discordo, amigo! Muito do progresso humano se deve às correntes, prazos e metas que tanto despreza! E ainda há uma alternativa: acumular certa quantia de dinheiro e largar o emprego, libertar-se das amarras capitalistas!
(P) - Guardar dinheiro?  Em dias como os nossos, onde amanhã você pode não acordar ou que se sai pela manhã e não se sabe se volta à noite? Honestamente, não sei o que é mais absurdo: guardar ou gastar dinheiro.
(O) - Não seja dramático! Isso é coisa de imprensa marrom.
(P) - E o senhor ainda não me apresentou argumentos que sustentem sua perspectiva otimista.
(O) - Caminhe por aí, dê uma boa olhada na natureza: árvores, montanhas, céu, mar, rios, animais, as mulheres. Embriague-se e terá uma perspectiva diferente. leia um livro, ouça música, viaje. Este mundo tem tanto a dizer!
(P) - Só falta o senhor me vir com aquela de que a vida é bela...
(O) - Pois, justamente!!
(P) - Bela e vã; E temos que estar atentos para que não nos seja encurtada na primeira oportunidade! É a lei da sobrevivência. Eu já fui um otimista, sabe. Porém, presenciei tanta desgraça comigo e ao meu redor que se tornou insuportável. Se o valor da vida está na beleza, então não me é suficiente diante de toda tristeza e angústia que o mundo carrega.
(O) - ...
(P) - Que foi?
(O) - Acho que acabo de me converter ao pessimismo.

Para o mundo (da série Vendas e Máscaras)


Na horizonte o alvor
Na comida o sabor
Na bebida o torpor
Na amizade o bom-humor
Na mulher o amor
Na arte um escritor

Que se desespera
Com desatino e horror
Tantas injustiças em nome de um senhor

Tanta desgraça e tanto desamor
Essa realidade é alguma felicidade
E um bocado de dor